Eu não posso mudar isso

I can’t change that

Por: Diego Gomes 

Por um longo período da minha vida, tive um amigo que foi muito especial para mim – assim como sei que fui especial para ele. Eu sou dez anos mais velho, o que me deu a chance de vê-lo crescer, desde o adolescente enérgico que dava trabalho nos acampamentos da igreja até o jovem com um coração gentil que ele se tornou.

Quando ele já estava na faculdade e eu, um pastor aprendiz entrando nos 30, nos reconectamos. Nossa relação começou como um discipulado, no qual eu o servia, compartilhando sobre Cristo e oferecendo conselhos que a maturidade me proporcionara. Com o tempo, fomos além, e ao longo dos anos, nossa amizade se fortaleceu.

Eu o acompanhei nos desafios da universidade, ensinei-o a preparar pregações e a liderar pessoas, aconselhei-o durante o namoro, noivado e, finalmente, celebrei seu casamento. Ele, por sua vez, foi um discípulo fiel e dedicado, um amigo que estava ao meu lado nos momentos em que a fachada pastoral me impedia de expressar sentimentos ou sucumbir diante das dificuldades.

Ele era o amigo que, com um simples olhar, sabia se eu estava bem ou não. Era também o discípulo ávido por aprender, afinal, ele tinha uma vocação pastoral clara e aspirava ao ministério. A nossa relação, apesar de profunda e afetuosa, não era perfeita – e, convenhamos, nenhuma relação é.

Eu, um jovem pastor, ainda era muito inseguro quanto à minha capacidade ministerial. Muitas vezes, compartilhei minha insegurança com pessoas muito mais jovens do que eu, que não tinham maturidade para perceber que líderes religiosos, em seus melhores dias, ainda são apenas seres humanos tentando fazer o seu melhor. Eu não sabia distinguir vulnerabilidade de exposição e acabei compartilhando demais sobre minha vida pessoal. Isso gerou, nas pessoas ao meu redor, um sentimento de que tinham direito irrestrito ao meu mundo, afinal, eu era “o pastor”.

A nossa relação teve rachaduras desde o início, algumas tentamos resolver, outras deixamos passar em silêncio. Talvez pela nossa inexperiência, imaturidade ou incapacidade de resolver problemas tão profundos sozinhos. E havia os intermediários, pessoas que constantemente tentavam sabotar nossa amizade. Esse é um texto que, quem sabe, um dia escrevo.

O fato é que, anos depois, enfrentamos uma crise. Eu estava vivendo o momento mais difícil da minha vida, do meu ministério e da minha saúde mental. Aquele amigo, pressionado de todos os lados para se distanciar de mim e desassociar sua imagem do jovem pastor promissor com a popularidade em queda livre, permaneceu ao meu lado por um tempo e me ajudou muito (eu serei eternamente grato por isso).

Contudo, éramos muito jovens e cometemos muitos erros. Eu poderia passar dias falando sobre as falhas que cometi, mas vou resumir: naquele momento, eu não estava apto para liderar ninguém. Mas, por culpa e co-dependência com liderados que claramente esperavam perfeição de minha parte, aceitei uma liderança que não deveria, em um momento em que o meu foco deveria ser eu, mas eu sentia que devia o meu melhor àquelas primeiras pessoas que acreditaram em mim como pastor no início do meu ministério. Obviamente, a situação degringolou rapidamente!

Sei que depositei muito peso sobre um amigo que estava disposto a me ajudar, que me fez promessas de “eu estou com você até o fim” e “vamos passar por isso juntos”. Talvez, na sinceridade de querer ajudar, ele não soube dizer: “eu não posso ou não consigo”. Talvez, por imaturidade e medo de conversas difíceis, ele simplesmente decidiu se afastar. Talvez eu nunca saiba… tantos “e se”?

A relação acabou de forma muito traumática. Havia compromissos (públicos e jurídicos) assumidos, já que ele era um discípulo em treinamento para ser o pastor que me substituiria eventualmente. Rapidamente, fui “demitido” da posição de amigo e pastor, bloqueado em todas as redes sociais, e logo as notícias começaram a chegar.

Tudo o que ele disse que não faria, ele fez. Atitudes que soavam incoerentes, considerando tudo o que ele havia dito para mim, visto e vivido comigo, começaram a ser tomadas de forma que parecia até um ataque pessoal. Eu estava em choque, sem saber onde tinha errado, ou o que fiz para merecer aquilo. O fato de aquele amigo também ser um líder, que deixou uma posição pública e o povo de uma igreja sem explicações, colocou-me em uma posição muito desconfortável. As pessoas queriam (justificadamente) uma explicação que eu não tinha como dar e, por um período, eu silenciei e paralisei.

As notícias chegavam rápido, sobre reuniões paralelas das quais eu não fui convidado, conversas negativas sobre mim das quais eu nunca pude me defender. A dor da ofensa então dominou meu coração e falei mal dele para pessoas próximas. Na ânsia de desabafar, fui desonesto, falando coisas negativas sobre alguém que um dia fora um amigo íntimo. Arrependo-me profundamente de ter falado mal dele naquele momento.

Alguns meses depois, com o coração já quebrantado em arrependimento, mandei uma mensagem. Mesmo bloqueado nas redes sociais, mandei uma mensagem de texto reconhecendo meu erro, expressando meu arrependimento e pedindo perdão, sem a expectativa de resposta, mas me colocando disponível para uma conversa pessoalmente. Meu outrora grande amigo respondeu, expressando parte de suas mágoas, perdoando-me, mas deixando claro que, se me encontrasse na rua, atravessaria a calçada para não me cumprimentar. Nenhum pedido de perdão foi feito por ele.

Eu segui minha vida, livre das mágoas e com a consciência tranquila. Às vezes sentia falta dele, outras vezes o lembrava durante minhas orações, abençoando-o. Cerca de um ano depois, de forma chocante, descobri que ele havia compartilhado algo íntimo que eu lhe havia confiado em um momento de vulnerabilidade.

Eu sempre acreditei que, quando líderes cometem erros, a resposta adequada é enfrentá-los de forma honesta e aberta. Eu nunca tive a pretensão de ser um pastor “super-humano” e sempre busquei ajuda em minhas fraquezas. Naquela época, acreditando na integridade do meu amigo e discípulo, compartilhei um momento de fraqueza e pedi ajuda para aquele amigo. Abri meu coração, expus as falhas que enxergava que havia cometido e dei liberdade para que aquele, então, grande amigo, me corrigisse e aconselhasse. 

O que eu nunca imaginei foi que aquele momento, uma conversa privada seguida de vários aconselhamentos em que expus meu coração para um amigo, se tornaria de conhecimento público da forma mais antiética possível. Ele não apenas expôs a minha privacidade publicamente, sem o meu consentimento, mas também distorceu as coisas e inventou uma mentira tão absurda que causou um dano irreparável à minha reputação. Quando soube disso, foi como se eu tivesse experimentado algo próximo ao que Jesus sentiu quando Judas o traiu com um beijo, chamando-o de “amigo”.

A traição é uma das dores mais excruciantes que uma pessoa pode experimentar ao longo da vida. A traição de um amigo gera um sentimento devastador de perda e um grande trauma na confiança de um ser humano. Todos nós teremos um “Judas” em nossa história e, talvez, também seremos o “Judas” em algum momento para alguém.

A questão é que toda traição tem um preço e a falsa ideia de um ganho e não podemos nos esquecer disso. Para Judas, o ganho foram algumas moedas de prata; para Jesus, o preço foi a cruz. Para Jesus, o ganho foi cumprir o seu propósito completamente; para Judas, o preço foi terminar enforcado nas consequências de suas próprias escolhas.

Eu não sei qual foi o “ganho” que o meu amigo recebeu por vender a minha privacidade e dignidade, também não sei o custo sobre a vida dele de uma escolha tão perniciosa. Eu sei o preço que eu paguei lidando com depressão, crises de ansiedade, assédio virtual e fofocas maliciosas. Minha esperança é que o ganho de toda essa dor seja alguma maturidade, astúcia e sabedoria.

Depois da traição, eu ainda estava bloqueado. A mensagem que chegava da outra parte era clara: “nunca mais quero falar com você”. O que me restava era lidar com meus sentimentos de dor, traição e perda, e seguir em frente. Eu aceitei que jamais teria o direito de resposta, pois quem conta a primeira versão geralmente dita a narrativa. Resignei-me à aceitação de que a única coisa que eu poderia fazer era escolher minhas “sementes” e ter atitudes coerentes com o que eu queria colher no futuro. Afinal, da colheita ninguém escapa.Eu perdoei meu amigo e continuei minha vida, processando na terapia a dor daquela traição. Nunca mais me permiti pensar nele com rancor, o que exigiu muitas horas de oração – e terapia. Aprendi, há muitos anos, que a colheita é a melhor professora. Ela nos ensina as lições que relutamos em aprender, frequentemente de forma dolorosa.

Até que, há algumas semanas, uma mensagem apareceu na minha caixa de entrada. Era ele, meu antigo amigo, que me havia bloqueado, subitamente reaparecendo. Confesso que temi o conteúdo, mas a curiosidade venceu o medo e li a mensagem. Para minha surpresa, ele fez um pedido: que eu deletasse uma foto antiga da minha rede social, do dia em que celebrei o casamento dele.

Eu nem lembrava da foto e, de imediato, atendi ao pedido. No entanto, uma frase em sua mensagem me fez refletir profundamente: “Eu não posso mudar isso…” (referindo-se ao fato de eu ter celebrado o casamento dele), mas pelo menos poderia pedir para que eu deletasse a foto.

Ainda estou processando esse “encontro” por meio de uma simples mensagem, mas aprendi uma grande lição sobre mim. Diferente dele – e isso não significa que eu seja melhor ou mais nobre – eu não mudaria “isso” (conhecê-lo).

Apesar de todos os erros e dores que causamos um ao outro, eu fico com as memórias felizes dos momentos em que compartilhamos nossos sonhos, medos e segredos. Fico com as conversas produtivas, com tudo o que aprendi e ensinei. Eu não mudaria isso, porque negar o passado é negar o curso da vida, e eu nunca fui um negacionista.

O curso da vida humana é como um rio, com erros e acertos, tentativas de sermos melhores e expectativas de construirmos algo significativo. As pessoas são parte fundamental dessa experiência, pois são nossas professoras ao longo do caminho.

Talvez você, ao ler esse texto, pense como meu amigo: “Eu deletaria essa pessoa da minha história se pudesse.” Quero te convidar a refletir: nada na vida acontece por acaso. Não podemos mudar o que fizeram contra nós, mas podemos aprender as lições que essas circunstâncias nos trazem. Nós não temos o quadro completo. Somente Deus, com sua visão panorâmica, sabe o curso exato das nossas vidas. Ele prometeu transformar até as situações mais dolorosas para o nosso bem, utilizando-as como matéria-prima para o nosso crescimento.

Perdoe, se for necessário, confie na justiça de Deus e aproveite as lições que as relações difíceis nos oferecem. A perfeição é uma miragem inalcançável, mas a sabedoria vem de aprender a nadar no fluxo da vida, em meio aos erros e acertos, sendo mais intencionais no caminho.

Ao meu amigo, caso um dia leia este texto: eu te perdoo! Obrigado por tudo o que fez por mim, por ter estado ao meu lado. Lembra daquele dia em que eu estava sofrendo muito por causa de uma injustiça e você me disse: “você tem uma resiliência sobrenatural, vai conseguir”? Era verdade!

Eu precisei dessa “resiliência sobrenatural” para sobreviver a você! E eu consegui atravessar o rio. A margem deste lado é mais bela e leve. Talvez eu nunca tivesse nadado até aqui sem que você me empurrasse correnteza abaixo. Obrigado, por me ensinar lições que eu não teria aprendido de outra forma.

About Diego

Born in Brazil in 1988, I grew up in a poor neighborhood where life was anything but easy. My childhood was marked by challenges —racism, violence, and abuse— but I found refuge in books, sports, and the arts.

At thirteen, my life took a turning point when I encountered God in a profound way. That moment changed everything, setting me on a path of faith, purpose, and hope. Since that day I know and believe that hope is a person, and his name is Jesus.