Por: Diego Gomes
“Bem-aventurados os misericordiosos, pois receberão misericórdia.” — Mateus 5:7
As primeiras bem-aventuranças nos conduziram para dentro e nos convidaram a olhar para o nosso coração, às nossas carências e fragilidades enquanto seres humanos e a reconhecermos que, sem Deus, nada somos.
Agora, Jesus começa a nos ensinar como essa transformação interior se expressa nas nossas relações com o próximo. Quem reconheceu sua própria pobreza espiritual, quem chorou pela ausência de Deus, quem se rendeu com mansidão e buscou com fome a justiça — agora é chamado a viver como Cristo viveu: com um coração compadecido. Quem foi tocado pela misericórdia de Deus passa a tocar os outros com ela.
A palavra “misericórdia” vem da união de duas expressões latinas: miseratio (compaixão) + cordis (coração). Ser misericordioso, então, é ter um coração que se comove com a dor do outro. A verdadeira misericórdia é oposta à indiferença. Ser misericordioso é não desviar o olhar, não ignorar necessidades esperando que outro as supra, mas assumir a responsabilidade de ser as mãos e os pés de Cristo na terra.
Ser misericordioso, em essência, é aprender a amar como Deus ama: “Mas tu, Senhor, és Deus compassivo e misericordioso, muito paciente, rico em amor e em fidelidade.” (Salmos 86:15).
E como Deus age? Ele não é indiferente à nossa dor. Desde o jardim do Éden, Deus demonstrou a sua misericórdia em ação para alcançar e restaurar a humanidade caída. No jardim, Deus cobriu homem e mulher com peles de animais, apontando para o sacrifício de Jesus e a restauração da dignidade humana pela cruz. Em Noé, Deus firmou uma aliança de misericórdia simbolizada pelo arco-íris.
Esse mesmo arco-íris que brilhou depois do dilúvio ainda resplandece diante do trono: “… Um arco-íris, parecendo esmeralda, circundava o trono …” (Apocalipse 4:3). É um lembrete eterno: Deus escolheu nos amar, mesmo quando merecíamos juízo.
O ápice da misericórdia divina revela-se na cruz. Enquanto o pecado apontava nossa culpa e nos conduzia à condenação eterna, o amor de Deus nos alcançou com o presente da salvação. Enquanto a lei dizia que éramos culpados, a graça nos presenteou com o que não merecíamos: Jesus. A personificação da misericórdia é a pessoa de Deus.
O Verbo se fez carne e habitou entre nós, não para nos condenar, mas para nos salvar. Por causa dele, nós recebemos o dom do perdão, o milagre da redenção, a graça do novo nascimento e a realidade imutável da paz com Deus. Foi a misericórdia divina que nos livrou da punição que merecíamos, a morte.
“Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã.” (Lamentações 3:22-23).
Receber a misericórdia divina nos chama a viver de forma diferente. A realidade de que nossos pecados são perdoados precisa gerar em nós arrependimento. A misericórdia é um dom da bondade de Deus, mas é acessada mediante ao genuíno arrependimento.
Assim como apenas quem é pobre em espírito acessa ao Reino dos Céus, apenas quem se arrepende desfruta da misericórdia: “Quem esconde os seus pecados não prospera, mas quem os confessa e os abandona encontra misericórdia.” (Provérbios 28:13).
Quando somos alcançados por essa compaixão, não conseguimos mais viver do mesmo jeito. Somos impelidos a nos tornar parecidos com Jesus — o Misericordioso: “Sejam misericordiosos, assim como o Pai de vocês é misericordioso.” (Lucas 6:36).
A misericórdia se manifesta de forma concreta no perdão. Porque nós fomos perdoados, nós também precisamos perdoar (Lucas 6:27-37). Perdoar uns aos outros é a vontade de Deus para os nossos relacionamentos (Mateus 6:14-15).
O perdão é a face revelada da misericórdia
Exercer a misericórdia na forma do perdão é o que nos torna livres da contaminação da ofensa enraizar-se em nosso coração, gerando os frutos da amargura, do ódio e da discórdia. Perdoar não é esquecer as coisas ruins que nos aconteceram, tampouco é negar a dor. Perdoar é uma decisão racional de escolher o caminho da paz: “Façam todo o possível para viver em paz com todos.” (Romanos 12:18).
Nós renunciamos à vingança, deixando que Deus trate cada um com justiça. Nós não revidamos o mal que recebemos, pois escolhemos obedecer a Deus e nos tornar quem Ele deseja: pessoas misericordiosas: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber… Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.” (Romanos 12:20-21).
O perdão é o primeiro passo para a restauração de um relacionamento, mas nem sempre ela vai acontecer. Depende de ambos os lados decidirem assumir a responsabilidade pelos seus erros, renunciarem à ofensa e ao orgulho e mudarem as atitudes que geraram os problemas que danificaram o relacionamento. Mesmo quando decidimos buscar uma restauração, ela é um processo de reconstrução.
Por outro lado, a misericórdia é sempre um chamado. É o convite para nos tornarmos cada dia mais parecidos com Jesus, permitindo que o amor expanda a capacidade do nosso coração para perdoarmos, até que o caráter compassivo de Cristo seja gerado em nós.
Uma boa evidência dessa misericórdia é demonstrada quando olhamos o outro com um olhar gracioso, daqueles que entendem a sua própria pobreza em espírito, são mansos e humildes como Jesus e não desejam condenar, pois entendem que foram perdoados. E porque foram muito perdoados… muito amam!
Você tem vivido como alguém que recebeu misericórdia? Ou tem cobrado dos outros o que nem Deus cobrou de você?
Oração de hoje:
Deus misericordioso, obrigada por não me tratares conforme os meus erros.
Ensina-me a viver com um coração semelhante ao Teu — compassivo, brando, paciente.
Dá-me forças para perdoar, graça para amar, coragem para responder ao mal com o bem.
Que a Tua misericórdia não apenas me alcance… mas transborde de mim.
Amém.